Desde criança eu sempre fui fascinada pelo Halloween e pelos
filmes de terror, mesmo que eu não pudesse me fantasiar e pedir doces de porta
em porta. Tive a fase de contar histórias de terror, assim como a de ir em
festas que eram mais baladas do que as infantis festas de Halloween. Hoje eu
comemoro o Samhain e como sigo a Roda do Ano pelo hemisfério Sul, a data não bate com o Halloween, mas mesmo
assim me trás de volta a mesma nostalgia da minha infância.
O conto
que eu vou contar não é de terror, não vai te impedir de dormir e eu
particularmente o acho muito bonito. Eu o encontrei há quase um ano quando comemorei o meu primeiro Yule, mas
eu o achei tão bonito e significativo
que nunca o esqueci e hoje vou compartilhá-lo com vocês, quem sabe assim vocês
não entram um pouco mais no clima ou entendem um pouco mais sobre este sabbat.
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Lyla sentou no chão em uma noite
de céu limpo e estrelado, ao olhar para um lago o reflexo da lua cheia a
lembrou de uma pérola redonda e branca... Mas, logo um grupo de crianças
chegou arrancando - a dos seus pensamentos, Lyla sorriu para
cada uma delas enquanto as mesmas sentavam ao seu lado formando um circulo.
- Vamos começar? Vou contar para
vocês a história de como o Deus Cornudo se sacrifica todos os anos para dar
força a Grande Mãe e garantir que ela sobreviva ao frio inverno que se
aproxima. Estão prontos?
As crianças afirmaram
entusiasmadas enquanto se embriagavam nas palavras de Lyla que tinha o tipo de
voz gostosa de se ouvir contando uma história.
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Essa história aconteceu há pouco
tempo, na verdade ela se repete todos os ano s nessa mesma época. O Sol sumia a
Oeste, as aves noturnas deixavam os seus ninhos, debaixo das árvores correndo
para as suas tocas os pequenos animais fugiam do frio cortando que logo
chegaria. Está é a época do Deus Cornudo e só as crianças mais fortes
sobrevivem a um inverno tão rigoroso. O Sol continuou abaixando cada vez mais
até que não passasse de uma linha fina que separava o céu e a terra no
horizonte, tudo foi colorido de um belo tom avermelhado com um ar mágico e
então, a luz se foi. A Lua crescia no céu e um vento gelado passava entre os
troncos das árvores enquanto ao fundo era possível ouvir o som de uma flauta,
um som límpido e cristalino.
Naquele momento ,todos os animais da floresta pararam para ouvir aquele
belo som, até mesmo as orgulhosas árvores noturnas cessaram o seu orgulhoso
canto. Por entre as árvores ,apenas o som
da flauta ecoava por entre as árvores, e ninguém ousou fazer mais nenhum
som para não interromper aquele mágico momento.
Atravessando o lago, logo depois do grande carvalho estava a fonte da
bela musica. Sentada em uma pedra coberta de limo, um ser robusto com tronco e
rosto de homem, pernas cobertas de pelo, cascos de cavalo e majestosos chifres
de alce balançava ao som da flauta de bambu enquanto observava a donzela que
dançava ao som da sua música. A donzela possuía longos cabelos claros e lisos
que escorriam até a altura da cintura, os fios sedosos acompanhavam o movimento
da dança, pés habilidosos moviam-se descalços sobre a grama verde. A Deusa
nunca havia estado tão bela quanto naquela noite.
Os dois brincavam nus, na noite fria da floresta e alguns animais se
juntavam ao redor da clareira para observá-los. Cansada a donzela se sentou
olhando para o Cornudo enquanto esperava a música terminar, porém assim que o
deus afastou a flauta dos seus lábios as figuras dos animais e da donzela
desapareceram... não passavam de meras lembrança. A Deusa agora gravida estava
no Mundo Subterrâneo sendo protegida pelos seus familiares enquanto esperava
para dar a luz dentro de pouco tempo.
Era necessário que o Sol Novo nascesse, com isso o Deus Cornudo se
levantou e andou com tristeza até o lago para observar o seu reflexo. Já estava
velho e fraco, mas ainda continha muita energia, energia necessária para que a
Deusa sobrevivesse ao parto que viria em menos de dois meses. Ele sabia que não
podia continuar vivendo, a terra precisava do seu sangue e o Sol Novo da sua
energia.
Um grito ecoou na sua mente, a Deusa sofria, aquele era o momento certo
e então o Deus Cornudo olhou para os céus e para a mata se despedindo da sua
casa. Tambores rufaram quando ele ergueu as mãos e pronunciou as palavras
secretas, houve uma explosão e então ele desapareceu.
Em uma clareira nas montanhas era possível ouvir o barulho dos tambores
de guerra, uma música rápida e repetitiva que tornava o ar agressivo e então
com uma explosão o cornudo aparece no centro de um circulo com um olhar
decidido no rosto.
O velho Cornudo tinha agora nas suas mãos uma adaga de ritual e quando
ele a levantou apontada para o seu peito os tambores cessaram – nenhum barulho
podia ser ouvido como se todo o mundo prendesse a respiração esperando por este
momento onde os segundos pareciam durar milênios – o deus fechou os olhos e
então levou a adaga de encontro ao peito. Os tambores voltaram a tocar.
Quando a lâmina fria rasgou a carne do Deus, não houve um grito, nem ao
menos um sussurro de dor.... Apenas o som do sangue escorrendo e molhando a
terra e então o Cornudo se ajoelhou com o rosto sereno e com as próprias mãos
abriu a ferida para que os espíritos recolhessem a seu sangue.
O circulo só voltou a se tornar silencioso quando todos os espíritos
partiram deixando só o Deus que se deitou para olhar as estrelas enquanto
esperava que a paz voltasse a reinar pela floresta, ainda sentia o sangue
escorrendo pelo corpo e regando o circulo mágico na floresta que seria o seu
descanso eterno.
E do próprio solo e de um lugar mais distante que a estrela mais
distante elevou-se um cântico, murmurado e pausado... talvez fossem as pequenas
criaturas do subsolo, ou ainda as estrelas se despedindo do seu Deus.
Hoof and Horn, Hoof and Horn
All that Dies Shall be Reborn
Corn and Grain, Corn and Grain
All that Falls Shall rise again
O Cornudo morreu sorrindo
sabendo ser a semente do próprio renascimento, ele podia sentir a sua energia
voltando ao útero da Grande Mãe que agora deixava de sofrer. Naquele momento os
espíritos romperam a barreira entre os dois mundos e caminharam pela terra
espalhando o sangue e a força do Deus para que pudéssemos sobreviver aos tempos
difíceis que se aproximavam.
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Lyla
limpou uma lágrima solitária que escorria do seu rosto enquanto as crianças
ainda a ouviam com total atenção.
- É por
isso que os espíritos vem ao nosso mundo nesta noite tão escura... Eles trazem
consigo um pouco do sangue do Deus Cornudo que só renascerá no Solstício de
Inverno. Eles trazem conselhos, proteção e promessas que vão nos guiar durante
todo o período escuro do ano. Por isso devemos saudar os espíritos, porque sem
eles, a semente do renascimento não seria espalhada. Agora vamos para a Casa
Grande, esta na hora de começar o ritual.
As
crianças correram na frente em direção a Casa Grande deixando Lyla para trás,
ela parou no meio do caminho deixando que os seus ouvidos escutassem os sons do
além. E de algum lugar chegou aos ouvidos de Lyla um cântico: Hoof
and Horn, Hoof and Horn..
E então
Lyla caminhou para a Casa Grande.
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